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É proibido importar computadores. E agora?

Marcos Chiquetto 4 maio 2023

Você sabia que houve um tempo em que era proibida no Brasil a importação de muitos produtos de informática? Sim, na segunda metade da década de 1980, no mandato do presidente Figueiredo, último presidente da ditadura militar, foi aprovada uma lei que estabelecia a reserva de mercado para as empresas de capital nacional na área de informática, que atingia basicamente microcomputadores, periféricos e software. Se você apresentasse na Secretaria Especial de Informática do governo federal um projeto nacional para um determinado produto, ficava proibida a importação de produtos similares a ele.

Como resultado dessa lei, criaram-se muitas indústrias brasileiras de informática. A maioria delas apenas copiava produtos estrangeiros, sem nem saber direito o que havia lá dentro, e vendiam como sendo projeto próprio. Outras, muito poucas, realmente projetavam seus produtos. As primeiras conseguiam ser competitivas, pois o que faziam era simplesmente pirataria. As segundas enfrentavam o problema de desenvolver produtos de alta tecnologia sem experiência em desenvolvimento e sem escala de produção. Como resultado, acabavam entregando produtos muito caros e piores que os importados. Os compradores, evidentemente, ficavam furiosos.

Nessa época eu era engenheiro recém-formado e fui trabalhar na maior empresa brasileira fabricante desse tipo de produto, que pertencia ao segundo grupo citado acima, ou seja, buscava honestamente desenvolver produtos iguais aos feitos no primeiro mundo, tendo, para isso, caríssimas equipes de engenheiros e técnicos (entre eles, eu).

Vou contar duas historinhas que vivi ali:

Historinha 1

O primeiro produto importante criado por essa empresa foi um terminal de vídeo para computadores IBM. O produto, totalmente desenvolvido pelos engenheiros internos, tinha as funções iguais ao terminal IBM 3270. Vendeu muito! No Brasil inteiro você encontrava o terminal brasileiro ligado ao computador IBM importado.

Para fazer manutenção nesses terminais, a empresa criou um enorme departamento de assistência técnica. Um dia, um vendedor, numa visita a um potencial cliente, citou que uma grande vantagem oferecida pela empresa era a assistência técnica, que atendia o chamado em poucas horas e restabelecia a operação do terminal rapidamente. O cliente então respondeu: “Pois é, a vantagem do produto IBM é que ele não dá defeito”.

Moral da história: desconfie da empresa que investe muito em assistência técnica.

Historinha 2

Depois dos terminais, a grande estrela da empresa foi o microcomputador de 16 bits compatível com o IBM PC. O IBM PC, lançado na década de 1980, foi o primeiro microcomputador no mundo com poder de processamento suficiente para rodar aplicações empresariais estratégicas como folha de pagamentos, faturamento etc. Simplesmente 10 entre 10 empresários brasileiros queriam comprar um IBM PC. No entanto, empresas brasileiras apresentaram à Secretaria Especial de Informática seus projetos de equipamento compatível, e ficou então proibida a importação do IBM PC. Assim, os clientes tiveram que comprar o equipamento nacional, bem mais caro, mas teoricamente compatível.

O que foi feito na empresa onde eu trabalhava foi um grande projeto de engenharia reversa, no qual os engenheiros da empresa efetivamente projetaram uma máquina compatível com IBM PC, tomando como base o próprio produto original em todos seus detalhes. Na hora de desenhar a placa-mãe, houve um probleminha: o IBM PC tinha circuitos impressos com três camadas de condutores, o que possibilitava placas menores. Como essa tecnologia ainda não estava disponível no Brasil, optou-se por um circuito impresso de duas camadas, resultando em uma placa muito maior que a da IBM.

Muito bem, os clientes fizeram centenas de pedidos ainda antes da máquina ser lançada oficialmente, pois queriam ser os primeiros da fila. Finalmente, chegou o grande dia: a caríssima máquina nacional foi orgulhosamente entregue aos clientes. A política de reserva de mercado se mostrava um sucesso!

Mas, passados alguns dias, começaram a chover ligações dos clientes: a máquina ficava maluca de repente e parava de funcionar, provocando a perda dos dados. A equipe técnica da empresa entrou em regime de 24h de trabalho para resolver o problema, com os clientes cada vez mais furiosos!

Até que o engenheiro mais experiente da empresa teve uma ideia:

— Talvez o problema seja alguma instabilidade eletromagnética. Vou soldar a placa-mãe em vários pontos a uma chapa de metal paralela. Quem sabe a coisa estabiliza.

Bingo! Ao ser soldada à chapa de metal a placa-mãe estabilizou. Saíram então os técnicos em campo, carregando uma geringonça debaixo do braço (uma placa eletrônica soldada a uma chapa de metal) para instalar nas máquinas dos clientes.

Apagado o incêndio, os engenheiros passaram a estudar o problema e concluíram que, devido à frequência do comando central do circuito ser muito alta para os padrões da época, os filetes do circuito impresso tinham que ser curtos. Filetes longos produziam instabilidade, e a placa ficava maluca.

Ah!! Por isso, a IBM usou circuito impresso de três camadas!!

Sim. Por isso eles desenvolveram essa tecnologia. Daí, fornecedores brasileiros se atualizaram e o problema pôde ser resolvido de forma mais decente.

Tempos heroicos!!

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