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Babel da pós-modernidade

Marcos Chiquetto 28 abr 2023

Na Bíblia, em Gênesis, capítulo 11, se lê que os homens iniciaram a construção da torre de Babel, que seria tão alta que alcançaria o céu.

A Torre de Babel, pintada por Pieter Brugel, o Velho, no século XVI

No entanto, Deus não gostou daquele projeto. Por ação divina, então, os homens começaram a falar línguas diferentes e, não mais se entendendo uns aos outros, não conseguiram terminar a torre. E assim, a humanidade acabou se espalhando por incontáveis nações por todo o mundo, falando idiomas diferentes.

Esse trecho da mitologia Cristã está tão enraizado em nossa cultura que a própria palavra “Babel” significa confusão, desordem e mistura de línguas. Ele nos diz como a diversidade de línguas pode inibir uma ação coletiva.

No entanto, durante milhares de anos, a diversidade de línguas não foi um problema significativo para o empreendimento humano, pois as ações coletivas eram executadas ou por pequenas comunidades onde todos falavam a mesma língua ou por grandes grupos de escravos, apenas obedecendo ordens simples.

Ao longo da história humana, a maioria das ações coletivas eram executadas dentro de pequenas comunidades com todas as pessoas falando a mesma língua.
Outro tipo de ação coletiva sempre presente na evolução da humanidade foi o trabalho escravo, como a mineração na Roma antiga (mostrada aqui no filme “Spartacus” de 1960).

No entanto, a partir das Grandes Navegações do século XVI, uma nova modalidade de ação coletiva assumiu o protagonismo: o empreendimento global capitalista, que inicialmente se baseou fortemente no trabalho escravo. De fato, há apenas 150 anos, grande parte do trabalho coletivo ainda era executado por escravos na economia capitalista, como mostra a figura seguinte, de uma grande plantação de café no Brasil por volta de 1870.

Trabalho escravo em uma plantação de café no estado do Rio de Janeiro no século XIX (Fotografia de Marc Ferrez)

Embora esses trabalhadores falassem idiomas diferentes ao chegar ao Brasil, essa diversidade não impedia que eles fizessem seu trabalho, para o qual eles apenas tinham que obedecer ordens simples. Passado algum tempo, a maioria deles acabava aprendendo basicamente o português, a língua de seus senhores.

No entanto, a partir do século XIX, a economia global se moveu na direção do trabalho assalariado e dos mercados consumidores multinacionais, exigindo cada vez mais uma comunicação eficiente entre pessoas de diferentes nações.

Com a revolução das comunicações do século XX, especialmente com a explosão da Internet, o mundo está se movendo na direção de uma entidade cultura unificada, uma mudança que o filósofo canadense Marshal McLuhan já anteviu na década de 1960, quando cunhou a expressão “aldeia global”.

Marshal McLuhan: a aldeia global
Estamos nos movendo para um mundo culturalmente unificado. O panorama de Xangai não parece muito diferente daqueles de Nova York ou São Paulo.

No entanto, enquanto a economia e a própria sociedade estão passando por um processo rápido de unificação, há outros aspectos da civilização que estão evoluindo muito mais lentamente, tais como a diversidade de idiomas e culturas. A língua de uma nação não pode mudar no espaço de algumas décadas (veja por exemplo o atual retorno das línguas faladas na Europa Oriental antes de existir a União Soviética); são necessárias muitas gerações para um país mudar sua língua. Portanto, mesmo a economia sendo um empreendimento cada vez mais unificado globalmente, ela ainda depende da conexão entre pessoas que falam línguas diferentes.

Muitos produtos globais hoje são lançados simultaneamente em dezenas de países, e, mesmo que o produto seja exatamente o mesmo em cada país, ele tem que ser localizado, isto é, os materiais de marketing e técnicos a ele relacionados e as informações do produto tem que ser traduzidos/adaptados à língua e à cultura de cada país de destino.

Pessoas de países diferentes, falando diferentes línguas, precisam se comunicar umas com as outras, em primeiro lugar para viabilizar a produção de bens e serviços por empresas globais, e, depois, mas não com menos importância, para facilitar a venda desses mesmos bens e serviços no mercado global.

Os nós concentradores de fluxo nessa rede de idiomas são as agências de tradução, um negócio que tem crescido continuamente. A imagem seguinte mostra uma ordem de serviço típica recebida por nossa empresa, uma agência de tradução brasileira, de uma grande agência global operando na China:

Projeto de tradução multilíngue executado por uma grande agência global de traduções

A solicitação do serviço veio de uma grande corporação de TI. O laboratório de software da empresa, em Palo Alto, Califórnia, liberou uma atualização de software que afetou 25 palavras na interface de usuário de um certo produto, desenvolvido em inglês. Sendo esse produto vendido em 40 idiomas, eles enviaram aquelas 25 palavras a uma grande agência de tradução em Xangai, que distribuiu o trabalho para dezenas de agências especializadas em idiomas específicos no mundo inteiro, incluindo nossa empresa, a quem foi encomendada a tradução para português e espanhol. Naquele mesmo dia, todos esses fornecedores entregaram suas traduções e quarenta pacotes traduzidos foram enviado de volta a Palo Alto, onde foram integrados ao software nos 40 idiomas. Então, usuários no mundo inteiro receberam uma atualização automática e começaram a usar o software atualizado, cada um no idioma no qual o produto tinha sido vendido.

Esse é apenas um exemplo que mostra o tipo de trabalho executado diariamente por milhares de agências de tradução ao redor do mundo, traduzindo centenas de milhões de palavras para viabilizar a produção e a comercialização de produtos no mercado global.

Estamos agora num momento que pode ser visto como o final de um ciclo extremamente longo na história da humanidade, que começou na era mítica, quando Deus puniu o homem na Torre de Babel. A humanidade, uma vez espalhada por incontáveis nações e falando incontáveis línguas, hoje luta para se unificar novamente. Somos moradores de uma nova Torre de Babel, só que esta não tem o objetivo de alcançar o céu, mas, sim, distribuir dividendos aos acionistas de grande corporações.

Novamente, somos guiados por uma entidade transcendental: não o venerável Deus hebreu, mas o novo deus onipotente que chamamos “mercado”.

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