Satélites geoestacionários
4 maio 2023Como construir uma torre com 37.500 km de altura
A TV por assinatura pode chegar à nossa casa por cabo ou por antena, como esta:
Na instalação desse sistema, o técnico deve posicionar a antena de forma que esta capte o sinal do satélite.
Sim, essa antena aponta para um satélite. Mas a Terra gira em torno de seu eixo e o satélite gira ao redor da Terra! Como é possível que uma antena fixa fique apontando para um satélite o tempo todo?
A única forma de isso ser possível é o satélite estar em repouso em relação à Terra, ou seja, ele deve estar sempre na mesma posição quando visto por nós, como se estivesse preso no alto de uma torre gigantesca. A figura abaixo mostra essa ideia.
Mas não é possível construir uma torre desse tamanho. O que se faz é colocar o satélite em uma órbita circular* na qual o tempo de uma volta completa ao redor da Terra seja exatamente igual ao período de rotação da própria Terra, ou seja, 1 dia (24 horas). Assim, desde que a órbita esteja no plano do equador, o satélite vai girar junto com nosso planeta, permanecendo em repouso em relação ele.
O período do movimento circular de um satélite ao redor da Terra (tempo para dar uma volta) depende do raio da órbita, ou seja, da distância do satélite até o centro da Terra. Quanto maior a distância, maior será o tempo de uma volta. Satélites que estão próximos à Terra giram ao redor do planeta com períodos curtos, enquanto que satélites mais distantes têm períodos mais longos.
Vou aqui citar um resultado que se obtém aplicando a mecânica clássica (desenvolvida por Isaac Newton, no século XVII). Se você odeia física e odeia mais ainda matemática, não precisa ficar preocupado. Esta será a única citação a esse assunto neste artigo e você não vai precisar se aprofundar nesse conceito para entender o que vem depois.
Vamos considerar dois satélites da Terra, com órbitas circulares de raios R1 e R2 e períodos T1 e T2:
A relação entre essas grandezas é:
Para que usaremos essa fórmula?
Bem, há um satélite que todos nós conhecemos muito bem: a Lua. Esse nosso satélite dá uma volta ao redor da Terra em 27,3 dias** e sua órbita tem raio de 384.000 km. Queremos um outro satélite, cujo período de rotação seja exatamente um dia. Qual deverá ser o raio de sua órbita? Como o período vai ser menor que o da Lua (27,3 vezes menor), o satélite vai estar mais próxima da Terra.
A figura seguinte mostra essa situação (para que você tenha uma ideia melhor das proporções, os tamanhos da Terra e da Lua e a distância entre elas estão em escala):
Temos então:
Lua:
período: 27,3 dias
Raio da órbita:
384.000 km
Satélite desejado:
período: 1 dia
Raio da órbita:
r (queremos calcular isso)
Jogando esses números na fórmula, obtemos r = 42.000 km.
Conclusão, um satélite que gira ao redor da Terra com órbita de raio 42.000 km tem período de rotação exatamente igual a um dia.
Se, além disso, a órbita desse satélite estiver no plano do equador da Terra, ele vai girar com rotação exatamente igual à rotação do planeta, permanecendo em repouso em relação a nós. Essa órbita foi denominada órbita geoestacionária.
O raio do nosso planeta é 6.300 km. Descontando esse valor do raio que acabamos de calcular, teremos a distância da superfície da Terra até o satélite, ou seja, a altura do satélite:
Altura do satélite = 42.000 km — 6.300 km
Altura do satélite = 35.700 km
A figura mostra isso (o raio da Terra e a órbita do satélite estão em escala):
A distância de 35.700 km é aproximadamente igual a seis vezes o raio da Terra (6.300 km).
Com esse sistema, a emissora de TV transmite para o satélite e este envia de volta o sinal, como se estivesse preso a uma torre gigantesca:
– Mas, para que essa complicação? Não seria mais fácil transmitir direto da estação para a casa do assinante? Porque esse sinal tem que percorrer dezenas de milhares de quilômetros para chegar logo ali ao lado?
O problema é que a TV por assinatura opera na faixa de frequência de microondas. Nessa faixa, só pode haver comunicação entre dois pontos se houver linha de visada direta entre eles, ou seja, se de um ponto você conseguir enxergar o outro (mesmo que seja com binóculo ou telescópio). Como a Terra é redonda, isso só ocorre para distâncias pequenas, pois a curvatura do planeta faz o outro ponto desaparecer de sua linha de visada quando ele se afasta. Por exemplo, se uma antena transmissora estiver em uma torre com 25 metros de altura, supondo terreno plano, a linha de visada só vai chegar até 20 km de distância. Além de 20 km, a transmissão não será recebida.
Para transmitir TV por microondas a partir de torres, seria preciso instalar muitas torres. Em vez disso, instala-se um transmissor muito potente que envia o sinal para um satélite geoestacionário, e este retransmite o sinal de volta, sendo recebido por quase metade do planeta. É como se o satélite estivesse numa torre de 35.700 km de altura.
– Mas por esse processo, não vejo como transmitir algo do Brasil para o Japão, que fica do outro lado do mundo.
Realmente, com um satélite não dá para dar a volta ao mundo. Mas com um conjunto de satélites, a transmissão se dá para qualquer ponto:
— Para isso tem que haver vários satélites em órbita ao redor da Terra. Existem muitos?
Até agosto de 2020, segundo a Wikipedia, havia 2.787 satélites artificiais em órbita da Terra, pertencentes a empresas privadas ou agências estatais de diversos países. Dentre esses satélites, 1.364 destinam-se a comunicações, sendo centenas deles geoestacionários.
A ideia do satélite geoestacionário para comunicações foi lançada em 1945 por Arthur Clarke, um físico inglês que que acabou se tornando mundialmente famoso como autor e roteirista do filme “2001 — Uma odisséia no espaço”. Em homenagem a ele, a órbita geoestacionária ficou conhecida como “Clarke Belt”, “Cinturão de Clarke”. Na mesma época, os soviéticos Mikhail Tikhonravov e Sergey Korolev também lançaram essa mesma ideia, mas a iniciativa de Clarke acabou se tornando mais conhecida.
No início deste artigo, vimos que o técnico de instalação tem que posicionar
a antena para ela captar o sinal do satélite. A inclinação que a antena deve ter em relação à vertical depende da latitude do local. Veja na figura abaixo qual seria a inclinação da antena nas cidades de Belém do Pará, que está praticamente sobre a linha do equador, e Porto Alegre, que está bem mais ao Sul.
Em Belém, o eixo da antena fica próximo da vertical (não exatamente na vertical porque o satélite pode não estar sobre a cidade, embora a órbita esteja no zênite). Em Porto Alegre, o eixo da antena fica mais próximo da horizontal. As fotos a seguir foram retirados de anúncios relativos a antenas de recepção de TV publicados em Belém e Porto Alegre. Essa diferença fica perfeitamente visível:
A transmissão de TV por assinatura é uma comunicação de mão-única, da estação para a casa do assinante, que pode ser feita por cabo ou por satélite geoestacionário, como foi mostrado aqui. No entanto, a internet requer comunicação de mão-dupla (o usuário recebe e envia informações). O tráfego da internet também pode ser feito por meio de cabo, mas não pode ser feito pelas antenas comuns de TV por satélite, pois elas só têm capacidade de receber sinal. Antenas pequenas e de baixo custo, como a da foto do início deste artigo, não podem transmitir um sinal para um satélite a 37.500 km de distância. Por isso as operadoras de TV a cabo oferecem serviço de internet, mas as operadoras por satélite, não.
É interessante notar que a rede de torres de microondas que foi evitada quando se optou por transmitir TV por satélites geoestacionários, acabou sendo construída para a telefonia celular. Nossa paisagem hoje é pontilhada por torres de microondas que proporcionam comunicação bidirecional a baixo custo para milhões de telefones celulares. Aproveitando esse recurso, as operadoras de celular também oferecem acesso a internet, numa tecnologia que hoje está na geração 4G.
A transmissão de imagens pela internet está cada vez mais popular, com vários serviços de streaming disponíveis, o que está fazendo desaparecer a TV por assinatura tradicional. Assim, num futuro próximo, os satélites geoestacionários continuarão existindo, para aplicações mais pesadas de comunicação, mas as antenas de TV por assinatura provavelmente vão desaparecer das casas.
* Satélites em geral têm órbitas elípticas. Para um satélite ser geoestacionário, a órbita tem que ser circular, que é um caso particular da órbita elíptica.
** O período do movimento da Lua ao redor da Terra é 27,3 dias considerado em relação às estrelas (período sideral). No entanto, para nós que estamos na Terra, o período do movimento da Lua parece ser 29,5 dias, que é a duração das quatro fases (nova, crescente, cheia e minguante). Essa diferença se deve ao movimento de rotação da Terra ao redor do Sol, que muda constantemente nosso ponto de vista para observar a Lua.
Marcos Chiquetto is an engineer, Physics teacher, translator, and writer. He is the director of LatinLanguages, a Brazilian translation agency specialized in providing multilingual companies with translation into Portuguese and Spanish.