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O estranho caso do software que colocou um carneiro castrado no manual da impressora

Marcos Chiquetto 28 abr 2023

A tradução automática, feita por software, começou a ser utilizada comercialmente na década de 1970. Um dos primeiros produtos desenvolvidos para esse fim foi o Systran, encomendado inicialmente pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos como parte do esforço da Guerra Fria, com o objetivo de traduzir rapidamente de russo para inglês as informações obtidas na União Soviética pelos serviços de inteligência.

O Systran era um produto bastante simples comparado com os atuais sistemas de tradução automática que utilizam inteligência artificial, redes neurais e outros recursos sofisticados: era um sistema que seguia regras predefinidas para escrever frases no idioma de destino a partir de frases no idioma de origem, utilizando um banco de dados com as traduções de palavras e expressões.

Na década de 1990, um dos clientes de nossa empresa era a Xerox, que naquele momento utilizava o Systran em suas traduções de inglês para português. Nosso trabalho era revisar as traduções feitas pelo software para gerar textos em português de boa qualidade. Basicamente, o trabalho era o mesmo que hoje se faz com tradução automática, com uma grande diferença na qualidade da tradução feita pelo software, que hoje é muitíssimo melhor. O próprio Systran, que existe até hoje, tem atualmente qualidade muito melhor.

Vou relatar aqui dois casos memoráveis ocorridos com a tradução automática naquele contexto.

Um dia, no meio da tradução de um manual de usuário de uma impressora, nosso revisor se deparou com isto:

… Para iniciar a operação pressione o Prisioneiro de Guerra…

O que seria isso? Será que alguma instrução vinda direto da Guerra Fria entrara no manual despercebida? A impressora era usada para torturar prisioneiros? Algum novo recurso eletrônico tinha sido inventado com esse nome belicoso?

Fomos examinar o texto original e vimos isto:

… To start the operation, press de POW- ER button….

A frase original era “To start the operation, press the POWER button….”, ou seja, a instrução era simplesmente para pressionar o botão liga/desliga. No entanto, para mudar de linha, o editor de texto havia inserido um hífen no meio da palavra POWER, deixando isolada no final da linha a sequência de letras POW. que é a sigla para Prisioner Of War, ou seja, Prisioneiro de Guerra.

Resultado: aquele software, desenvolvido na Guerra Fria, introduziu um prisioneiro de guerra no nosso pacífico manual em português!

Em outro momento, apareceu isto no manual traduzido pelo software:

O cliente conhece o carneiro castrado ou não usar este recurso

Puxa. Apareceu um carneiro no manual, e ainda por cima ele era castrado!! Ficamos com pena do bichinho e fomos ver o que estava escrito em inglês. Era este o texto:

The client knows wether or not to use this feature…

Na verdade, era isto o que deveria estar escrito:

The client knows whether or not to use this feature…

Ou seja, segundo o manual, o cliente sabia se deveria ou não usar o recurso (whether or not), mas havia ocorrido um erro de digitação na palavra “whether” que foi digitada “wether”. Acontece que “wether” é exatamente um carneiro que foi castrado. O software não teve dúvidas e colocou um carneiro castrado no manual.

Hoje, os sistemas de tradução automática são muito mais eficientes e já não fazem esse tipo de erro. Se quiser saber mais sobre isso, leia nosso artigo sobre o estágio atual da tradução automática.

Agradeço à nossa tradutora Renata Hetmanek por me ceder sua monografia “Tradução Técnica de Informática, Padronização da Terminologia & Ferramentas Auxiliares”, da qual retirei a informação sobre a origem do Systran.

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