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O Coronavírus foi inteligente com a ômicron? (publicado em janeiro de 2022)

Marcos Chiquetto 4 maio 2023

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Sabemos que a variante ômicron do coronavírus está se espalhando com uma velocidade nunca vista. Além disso, supõe-se que essa nova variante consiga, de alguma forma, infectar mais facilmente pessoas vacinadas. E ela parece ser menos letal, o que também favoreceria seu espalhamento, já que não mata o hospedeiro.

Com tudo isso, está se criando uma noção, dada pelo senso comum, de que o vírus estaria se tornando mais inteligente.


Vamos propor aqui a primeira reflexão deste artigo: pode-se atribuir inteligência a um vírus?

Para discutir isso, é preciso ter claro o que é um vírus.

Um vírus (do latim vírus, “veneno”) é, basicamente, um conjunto de moléculas de ácido nucleico (DNA ou RNA), que é o material no qual os seres vivos armazenam seus códigos genéticos, revestido por algum tipo de material proteico, podendo ter também um envelope lipídico. Ou seja, um vírus é uma pequena cápsula contendo material genético.

Estando fora dos seres vivos (por exemplo, no ar ou na água) os vírus não têm capacidade de se reproduzirem. Eles são apenas partículas microscópicas inertes, não sendo nem considerados seres vivos.

Já os seres vivos são formados por células, que se reproduzem por meio de divisão celular, necessária tanto para o crescimento quanto para a substituição de células mortas. Por exemplo, as células de nossa pele estão em constante duplicação, para gerar células novas que substituem as células velhas que morrem. A duplicação das células é feita com a participação de uma complexa maquinaria química existente em seus núcleos, num processo no qual o material genético é copiado para a nova célula.

Os vírus, que são basicamente fragmentos de material genético, conseguem entrar nas células e usar essa maquinaria química para se reproduzirem. Assim, mesmo não sendo seres vivos, os vírus se reproduzem. Um vírus que entra numa célula pode se reproduzir e gerar muitas cópias de si mesmo, atuando como um parasita.

No processo de sua reprodução, o vírus pode prejudicar a célula ou mesmo matá-la. Por isso, muitos vírus provocam doenças. O vírus da COVID, por exemplo, pode se reproduzir dentro das células de nosso pulmão, num processo que danifica essas células, e que acaba prejudicando nossa respiração.

E onde entra a variante ômicron nessa história?

Bem, no processo de duplicação do material genético pode ocorrer uma falha, de forma que o material produzido não seja exatamente igual ao original. Essa falha, que chamamos de mutação genética, faz surgir um vírus diferente. Na maioria dos casos, a mutação não tem efeito observável sobre o processo reprodutivo do vírus, mas pode acontecer que o novo vírus produzido tenha um comportamento diferente do original, que vai aumentar ou diminuir sua taxa de reprodução. No caso da variante ômicron, o novo vírus produzido age muito mais rapidamente dentro da célula infectada e aparentemente consegue infectar mais pessoas do que a versão original, inclusive pessoas vacinadas. Além disso, parece que ele é menos letal, o que também é bastante favorável a ele, pois se o parasita mata seu hospedeiro, ele morre junto. Assim, algumas características alteradas por essa mutação genética aleatória tornaram o novo vírus mais adaptável ao meio ambiente, o que, pela seleção natural, faz com que ele se reproduza mais que as outras variantes e se torne majoritário.

Pode-se dizer que a população de vírus estava sofrendo ataques desferidos pelas medidas de distanciamento social e pelas vacinas, que ameaçavam sua sobrevivência, e, por meio da variante ômicron, conseguiu se defender, voltando à condição de reprodução maciça.

Isso pode ser chamado de inteligência?

Bem, fica para cada um de nós refletir. Conforme o conceito que você adotar para definir inteligência, poderá ou não afirmar que a população de vírus foi mais inteligente com a variante ômicron.


Vamos agora para o segundo ponto de reflexão neste artigo: nós também somos máquinas operando a partir de reações químicas. Basicamente somos feitos do mesmo material que os vírus, embora sejamos estruturas muito mais complexas. Nossas ações conscientes, que atribuímos à nossa inteligência, são determinadas pelos mesmos fatores que determinam as ações dos vírus. Só que nossos processos são mais complexos do que os processos que ocorrem ali.

Há uma escala de complexidade na natureza, que inclui os vírus, as amebas, os micróbios multicelulares, as plantas, os insetos, e os animais mais complexos, onde se encaixa nossa espécie. A dúvida filosófica que surge aí é: essa escala de complexidade é contínua? Se partirmos do pressuposto de que há uma continuidade na escala, a diferença de complexidade entre graus próximos será pequena, de forma que dois organismos vizinhos podem ser considerados de tipos semelhantes. Ou seja, saindo do vírus, e passando de forma contínua por vários degraus de complexidade, chegaríamos até nós.

Em que ponto desse percurso você diria que a inteligência começa a existir?

Eu não consigo identificar um ponto. Minha tendência é considerar nossa inteligência e a inteligência da população de vírus coisas de mesmo tipo e graus de complexidade diferentes.

E você? Como vê isso?

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