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Dar uma ordem sem parecer que está mandando

Marcos Chiquetto 3 maio 2023

−Esticou a perna. Puxou a ponta do pé!

Essas frases, vistas isoladamente, só têm um significado possível: são ações no passado. O sujeito da frase esticou a perna e depois puxou a ponta do pé.

No entanto, dita por um instrutor em uma academia de ginástica, numa aula de alongamento, ela não representa uma ação no passado. Ela é uma ordem para que os alunos estiquem a perna e puxem a ponta do pé.

Agora…. Esticou a perna… Puxou a ponta do pé….

E quando esse exercício de alongamento termina, o instrutor diz:

−Agora podem ficar em pé.

Essa frase, vista sem contexto, só tem um significado: alguém está autorizando outra pessoa a se levantar. Mas, no contexto da academia, ela tem outro significado: é uma ordem do instrutor para os alunos ficarem em pé.

Já, num treinamento militar, a linguagem é outra. Para ordenar que os soldados façam flexões de braço, o sargento simplesmente diz:

−Vinte flexões!

Ele não se preocupa nem em usar um verbo na frase. Naquele contexto, é tão evidente que ele está dando uma ordem que basta dizer o substantivo que a ordem já é entendida e executada.

Vinte flexões!

Numa academia, o instrutor diria algo assim:

− Flexão de braço. Podem fazer vinte.

Ninguém acha que o instrutor está autorizando os alunos a fazerem vinte flexões. Ele está dando uma ordem para que eles o façam.

Como você vê, as palavras podem ser usadas com significados diferentes dependendo do contexto.

Num treinamento militar, não há por que disfarçar a relação de autoridade. Na verdade, o que se busca é ressaltar a autoridade. Deve ficar bem claro para todos que o treinador está dando ordens que devem ser obedecidas sem discussão. Já, numa academia, os alunos estão pagando uma mensalidade. Eles são os clientes da empresa e devem ser tratados com cortesia e respeito. Não fica bem dar ordens a clientes.

Imagine um instrutor de academia dizendo isso para uma turma de alunos:

− Estiquem a perna. Puxem a ponta do pé.

− Agora fiquem em pé.

Isso poderia gerar uma situação de desconforto entre os alunos, pois ficaria evidente que eles estariam recebendo ordens. O instrutor contorna isso falando de outras formas, como usar o verbo no passado ou acrescentar “pode”. Todo mundo sabe que isso são ordens, mas não fica soando algo autoritário.

Essas fórmulas de uso da linguagem ligadas ao contexto ocorrem em todos os idiomas e em todas as culturas.

Vejamos um exemplo, em inglês. Imagine que, numa aula, uma criança se levanta da cadeira e a professora diz:

− Will you please sit down.

Vendo essa frase sem contexto, apenas pelo significado das palavras, alguém poderia entender que a professora está educadamente pedindo para o aluno se sentar. Mas, naquele contexto, é evidente que ela está dando uma ordem.

Uma das maiores dificuldades do aprendizado de idiomas estrangeiros é o desconhecimento dessas fórmulas consagradas pelo uso. Só se aprende isso vivendo o dia a dia da cultura de um país.

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