Computadores conversando por telefone
2 maio 2023Ano: 1994. Segunda-feira cedo. Chego em nossa agência de traduções e vejo a máquina do BBS atendendo ligações furiosamente. Hoje tem muitos tradutores entregando serviço.
— Peraí. Que história é essa de máquina do BBS? Do que você está falando?
Ah. Esqueci que estamos em 2020. Vou explicar.
Até a década de 1980, quando precisávamos entregar algum texto a alguém, havia somente um meio: folhas de papel com o texto impresso. A partir de 1990, popularizou-se uma novidade revolucionária: a conexão entre dois computadores pelo sistema de telefonia! Você instalava em seu computador uma placa MODEM (Modulador-Demodulador) que permitia transmitir e receber dados pela linha de telefone fixo (celular ainda era artigo de alto luxo), e podia se conectar a outro computador para transmitir e receber dados.
— E quem fazia e recebia as ligações?
Era a própria placa MODEM. Você programava os números telefônicos onde havia computadores com os quais queria se comunicar, e o computador discava o número. Lá do outro lado, o outro computador atendia a ligação e estabelecia a comunicação. Daí, operando o teclado, você transmitia seus arquivos e a pessoa do outro lado, também sentada ao teclado, os recebia e armazenava.
— E era rápido?
Mais ou menos. Os MODEMS típicos disponíveis comercialmente se comunicavam a 9600 bits por segundo. Isso dá aproximadamente 1kbyte por segundo. Só para você ter uma ideia, uma foto típica tirada hoje em celular tem 200 kbytes. Portanto, para transmitir uma única foto atual, o tempo seria de 200 segundos (uns 3 minutos). Se você quisesse transmitir um arquivo pequeno de Photoshop atual, com, sei lá, 5 Mbytes, gastaria aproximadamente 2 horas. Para uma arte mais complexa feita hoje, teria que esperar alguns dias até a transmissão terminar.
Mas esses tempos longos não aconteciam. Primeiro, porque os arquivos gráficos complexos não eram comuns como hoje. Os gráficos em geral eram extremamente simples, com baixa resolução, resultando em arquivos pequenos. Depois, porque os arquivos que se transmitiam eram quase sempre de texto, contendo apenas códigos de letras e de comandos de formatação. Na prática, para transmitir um texto grande se gastavam alguns minutos.
No entanto, esse sistema tinha uma limitação importante: ele só funcionava com uma pessoa de cada lado da linha. Portanto, se você queria transmitir um arquivo, primeiro tinha que telefonar para avisar que ia fazer isso, para que a outra pessoa se preparasse para receber.
Aproveitando essa nova tecnologia, surgiram os sistemas de BBS (Bulletin Board System), que eram, basicamente, quadros de avisos eletrônicos. Um computador, onde o software de BBS estava instalado, operava como servidor do sistema, atendendo e tratando automaticamente ligações dos computadores usuários. Por um sistema de endereços de usuários, os BBS viabilizavam a troca de mensagens e de arquivos. Você entrava no BBS por uma ligação discada e deixava lá um recado para seu amigo. Quando ele entrava, recebia o recado junto com algum arquivo que você tivesse deixado para ele. Esses sistemas, que em geral eram públicos, administrados por provedores de serviço, foram os precursores dos atuais sistemas de mensagens, com a limitação de que você só podia trocar mensagens com outros usuários do mesmo BBS.
As agências de tradução logo perceberam que essa seria uma ótima ferramenta para agilizar seus fluxos de trabalho, e instalaram seus próprios sistemas particulares de BBS, cujos usuários eram os tradutores e revisores. Para enviar um trabalho a um profissional, o gerente de projetos colocava uma mensagem e um arquivo no BBS, e avisava o profissional por telefone. O tradutor discava para o BBS, baixava o material e as instruções, executava o serviço e entregava pelo mesmo sistema.
— E se você trabalhasse para uma agência em outro país?
Muito simples. Bastava fazer uma ligação telefônica internacional, a uma tarifa altíssima, e fazer sua transferência de arquivo, torcendo para a ligação não cair na metade.
Como os tradutores não podiam arcar com esse custo, as primeiras grandes agências multilíngues localizadas nos Estados Unidos e na Europa ocidental, que naquele momento estavam começando a empregar tradutores no mundo inteiro, criavam sistemas de call-back: o profissional fazia uma ligação para lá só para avisar que queria comunicação e o computador da agência ligava automaticamente de volta. Assim, a comunicação se estabelecia e o custo corria por conta da agência.
Nessa época, nossa agência já fornecia traduções para a HP, operando como fornecedora de uma grande agência multilíngue sediada em Houston: para pegar ou entregar um arquivo, nosso computador ligava para Houston e desligava imediatamente. Daí, recebíamos o call-back e fazíamos a transferência. Acredite se quiser!!
Aprendendo com a empresa de Houston, nós fomos uma das primeiras agências brasileiras, se não a primeira, a implementar esse tipo de sistema em 1994.
Comecei este post em uma segunda-feira típica daquele ano, com a máquina do BBS atendendo ligações sem parar. Era isso mesmo. Nossa máquina do BBS atendia ligações de dezenas de profissionais o dia inteiro, para entregar e receber trabalhos. Para cada conexão, o MODEM colocava na tela a informação da ligação entrando e jogava no alto-falante do computador o som do início da comunicação, que era um apito de áudio de tom contínuo. Então, num dia movimentado, a máquina de BBS ficava o tempo todo atendendo ligações, emitindo apitos e transferindo arquivos.
— Mas, por que não se fazia isso pela Internet? Seria bem mais simples!
Sim, seria muito mais simples se esse serviço existisse. No entanto, no início da década de 1990, a Internet, desenvolvida inicialmente com fins militares, tinha se expandido somente pela comunidade acadêmica, para troca de artigos científicos. Foi a partir de meados dessa década que esse recurso se espalhou pelo mundo como um produto comercial.
No entanto, em seus primórdios, a operação pela internet não era tão diferente assim dos BBS, pois foram os provedores de BBS que passaram a fornecer acesso à internet, por meio de ligação telefônica discada. Seu computador discava um número de telefone, o computador do provedor atendia, você ouvia um apito das máquinas conversando, e você entrava na Internet, com uma velocidade de lesma.
Quem tem mais que 30 anos lembra disso.
Marcos Chiquetto is an engineer, Physics teacher, translator, and writer. He is the director of LatinLanguages, a Brazilian translation agency specialized in providing multilingual companies with translation into Portuguese and Spanish.