PT EN

Como derrubar seu próprio preço em apenas 50 minutos. E ficar feliz com isso!

Marcos Chiquetto 28 abr 2023

Um dia qualquer, há alguns anos, em nossa agência de traduções brasileira. Eu e meu sócio estamos conversando sobre a empresa X:

— Quinta-feira próxima vai ser o leilão reverso da X.

— Para que hora está marcado?

— Nove da manhã. Termina às nove e cinquenta. Eles vão homologar somente três fornecedores para cada idioma.

— Vai ser adrenalina pura!

Quinta feira, oito e meia da manhã no Rio de Janeiro. Já estou logando no evento global da X. Dezenas de outras empresas no mundo inteiro estão logando também, cada uma no seu fuso horário. Meu sócio, em São Paulo, já entrou no Skype e já disponibilizei para ele minha tela.

Vai começar.


9:00

— Nosso preço atual está em terceiro lugar.

— Ótimo. Estamos dentro.

9:10

— Vixe. Agora já tem 5 na nossa frente. Caímos para sexto lugar. Que saco.

— Proponho diminuir 5% no preço

— Concordo. … Subimos para segundo lugar. Beleza

Passam-se 30 minutos de leilão e continuamos em segundo. Parece que vai ser tranquilo.

9: 45

— Putz. Caímos para quarto lugar. … Caímos para sexto lugar!!!!

— Só temos mais 4 minutos. Diminui mais 5%.

— Subimos para terceiro. … Caímos novamente para quinto!!

— Está acabando o tempo. Vamos tirar mais 5%?

— Vamos. … Subimos para segundo. … Caímos para terceiro. … O tempo está acabando. … Pronto. Acabou!!!

— Ficamos em terceiro. Continuaremos sendo fornecedores da X.

Com preço 15% menor do que ontem.


Você acabou de conhecer uma das mais estressantes atividades em uma prestadora de serviço no mercado global: o leilão reverso para ajuste de preço. Acompanhando o relato, você percebe que nosso preço baixou 15% em 50 minutos. Daí para frente será um longo e penoso processo de reengenharia para adequar os custos a esse novo preço.

Mas, de onde vem isso?

Bem. Vou contar a história. A empresa X, citada no relato, é uma agência global de traduções com sede nos Estados Unidos e unidades operacionais espalhadas pelo mundo, sendo a maior delas na China. Temos com eles uma parceria de mais de 30 anos.

Este é um trabalho típico enviado a nós pela X:

Como você pode ver na ordem de serviço, o trabalho consiste na tradução de um pequeno trecho de interface de software (25 palavras) para 40 diferentes idiomas. O idioma de origem é o inglês. Nossa parte no projeto é a tradução para português brasileiro e espanhol.

Para fazer esse tipo de serviço multilíngue, a X tem fornecedores espalhados pelo mundo. Além de nós, que estamos na América Latina, eles têm fornecedores na Grécia, para traduzir para grego, na Turquia, para turco, na China, para chinês tradicional e chinês simplificado, na Rússia, na Itália, na Hungria, na Bulgária, na Estônia, na Eslováquia, na Letônia, na Romênia, na Croácia etc.

Para cada idioma, a agência quer, no mínimo, 3 fornecedores. Eles trabalham com 40 ou 50 idiomas, o que dá quase duzentos fornecedores em países diferentes. E cada um tem que ser tecnicamente competente e confiável em prazos de entrega e confidencialidade, e precisa se atualizar continuamente com as ferramentas de software, que mudam a cada cinco ou dez anos. Estabelecer uma parceria com um fornecedor assim é um processo difícil e demorado.

Imagine a dificuldade de gerenciar centenas de fornecedores, trabalhando com dezenas de idiomas!

— Deve ser difícil mesmo. Mas, uma vez conseguido bons fornecedores para um determinado idioma, o problema fica resolvido. A agência não precisa mais se preocupar com aquele idioma. Certo?

Não é bem assim. Mesmo tendo bons fornecedores, resta o problema de administrar os preços. O preço de cada fornecedor depende do custo de vida no país, portanto os preços em dólares são diferentes para os vários idiomas. Além disso, o preço de cada idioma muda continuamente em função de vários fatores, tais como a taxa de câmbio no país e as ferramentas de software disponíveis. Uma agência global, para se manter competitiva, tem que estar sempre atualizada com relação aos preços dos vários idiomas, caso contrário não vai conseguir negociar novos trabalhos.

— Então, para se manter competitiva, a agência vai ter que negociar preços continuamente com centenas de fornecedores! Isso é muito difícil!

Sim. O gerenciamento dos preços dos fornecedores é algo muito complexo, que influencia diretamente no faturamento da agência. Para lidar com esse problema, a X adotou o leilão reverso. A cada três ou quatro anos, eles fazem um novo processo de cadastramento de fornecedores, convocando fornecedores já existentes (como é nosso caso) e outras empresas candidatas. O primeiro passo é o preenchimento de formulários com os dados das empresas, que são avaliados com critérios padronizados. As empresas aprovadas nessa fase são, então, convidadas a participar de um leilão reverso, no qual vão disputar entre si simplesmente mexendo nos preços, sem saber com quem estão competindo. A ideia é que os preços se ajustem no menor valor possível para cada país, sem que a contratante tenha que negociar.

O leilão dura 50 minutos, conforme você viu no início do artigo. Nesse curto período, o preço que você praticou durante anos é submetido a um ataque competitivo, numa batalha onde o preço final é invariavelmente menor do que o inicial. A partir daí, você tem que dar um jeito de reavaliar seus métodos e cortar seus custos para continuar operando, sem sacrificar a qualidade.

Trabalhamos com a X desde a década de 1980, tendo sobrevivido a todos os leilões até hoje.

A pós-modernidade não é coisa para amadores.

Tenha acesso a todo conteúdo que postamos periodicamente:

Fale conosco

CONTATO

Rua José Jannarelli, 75, sala 401
05615-000 | São Paulo – SP
+ 55 (11) 3721-1280
        + 55 (21) 9 8123 1484
info@latinlanguages.com.br
Latin Languages