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Bitcoin para quem nunca tinha entendido

Marcos Chiquetto 4 maio 2023

Faz tempo que tenho vontade de saber o que é Bitcoin. Não tenho formação teórica em economia ou finanças, por isso fui buscar informações na vasta bibliografia disponível. Neste artigo, faço um breve resumo do que aprendi.

Como surgiu o dinheiro

As primeiras transações comerciais, há muitos séculos, eram trocas de uma mercadoria por outra. Como algumas mercadorias eram muito mais desejadas que as outras, eram aceitas na troca mesmo que a pessoa não quisesse utilizá-las para algum fim específico, mas para trocar depois por outra coisa. Assim, se tornaram meios de troca. Ouro e prata eram meios de troca em muitas civilizações.

O ouro não sofre oxidação, mantendo a aparência brilhante por séculos. Ao longo da história, as pessoas guardaram e valorizaram esse metal, que frequentemente era usado como meio de troca.

Quando uma mercadoria é usada apenas como meio de troca, ela se torna dinheiro ou moeda. Ao longo de toda a história, ouro e prata foram usados como moeda.

Inúmeros governos na antiguidade emitiam moedas com esses metais, frequentemente misturados com outros materiais. Assim, havia moedas com diferentes proporções de ouro ou prata. Por isso, o câmbio entre moedas diferentes exigia cálculos, e era normalmente feito por cambistas especializados.

Em uma conhecida passagem do Novo Testamento, Jesus expulsa os mercadores do templo de Jerusalém, cena ilustrada aqui pelo pintor renascentista El Greco (1541–1614). Na realidade, estes não eram mercadores quaisquer, mas, sim, cambistas. Os fiéis traziam contribuições em dinheiro para o templo, mas o pagamento tinha que ser feito em moeda local, por isso faziam o câmbio antes de entrar.

Os bancos e o dinheiro conversível

A partir do século XI, desenvolveu-se um grande mercado de trocas comerciais entre Europa e Oriente, no qual cidades italianas como Florença, Veneza e Gênova eram importantes centros de negócios, tornando-se potências comerciais e marítimas.

Veneza, um dos principais pontos turísticos da Europa, foi uma potência comercial e marítima entre os séculos XI e XIII.

Um comerciante chegando a um desses centros trazia dinheiro de sua região, que tinha que ser cambiado pela moeda local. Além disso, não era cômodo nem seguro carregar moedas metálicas. Por isso, o comerciante entregava seu dinheiro a um cambista, que guardava a quantia e a registrava em um livro.

Em Veneza, esses cambistas ficavam sentados em bancos na praça principal. Daí, antes de fazerem seus negócios, os comerciantes iam aos bancos. Os banqueiros guardavam então o dinheiro e registravam o valor em seus livros. Daí a origem dessas expressões.

Cosme de Médici (1389–1464), um dos maiores banqueiros de Florença. Ele deu nome à rua Cosme Velho, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Para fazer um pagamento, os dois negociantes iam até o banqueiro, que, na presença de ambos, registrava em seu livro um débito em nome do pagador e um crédito em nome do recebedor (estou usando aqui o significado de crédito e débito conforme estamos acostumados a ver em nosso extrato bancário).

Havia uma alternativa a essa operação bancária primitiva: ao receber um depósito, o banqueiro entregava ao depositante notas bancárias onde escrevia o valor depositado, e que podiam ser usadas para resgatar o metal. As notas passaram então a substituir o metal nos pagamentos, surgindo então o papel-moeda conversível, isto é, que qualquer portador poderia trocar por ouro (ou prata).

Nota de Dólar emitida por uma empresa de mineração em Austin, Nevada, no século XIX. Nela se lê “Pague ao portador Dez Dólares em Prata Comercializável”. Apresentando esta nota à empresa emissora, você poderia trocá-la por prata.

Outra forma de transação era o pagador declarar num papel que estava transferindo ao recebedor uma certa quantia. Apresentando o papel ao banqueiro, o recebedor podia resgatar o valor em metal ou solicitar que a transferência fosse registrada no livro. Esses papeis foram os primeiros cheques. Os livros dos banqueiros foram as primeiras contas correntes.

Moeda não conversível

O papel-moeda conversível, que chamaremos aqui simplesmente de moeda conversível, foi inicialmente emitido por empresas ou bancos particulares. O metal que correspondia ao valor da nota era o lastro da moeda.

Passados alguns séculos, a moeda passou a ser emitida por bancos pertencentes aos estados, ou autorizados por estes, tornando-se moedas nacionais.

As primeiras moedas nacionais eram conversíveis em ouro. No entanto, a partir do início do século XX, vários governos passaram a emitir moedas sem lastro para sustentarem as despesas dos estados. A oferta de moeda nesses países passou a ser ditada pelos bancos centrais, que emitiam mais ou menos moeda em função das decisões políticas dos governantes.

O dólar norte-americano, a moeda mais importante a partir da segunda metade do século XX, foi oficialmente desvinculado de lastro-ouro em 1971.

Notas de 100 dólares de 1928 e 2003. Na de 1928 está escrito “Resgatável em ouro sob demanda no Tesouro dos Estados Unidos”. Na de 2003 está escrito “Esta nota é pagamento legal para todos os débitos, públicos ou privados.”

A moeda não conversível não tem um valor real, próprio dela. Ela é apenas um meio de troca aceito por todas as pessoas e empresas de um país, que a aceitam somente porque acreditam que outros também aceitarão. As moedas emitidas por países de grande poder econômico são aceitas também em outros países, como é o caso do Dólar, aceito no mundo inteiro.

Moeda escritural

Desde o início das atividades bancárias, a maioria dos depositantes não sacava o dinheiro metálico depositado, preferindo fazer transações com papéis. Por outro lado, havia pessoas que precisavam de dinheiro. Os bancos passaram então a emprestar as quantias depositadas, cobrando juros.

E assim como o banco dava ao depositante notas representando o ouro depositado, ele também emprestava dinheiro por meio de notas garantidas pelo mesmo ouro. Dessa forma, as notas em poder do dono do dinheiro e as notas em poder do tomador do empréstimo representavam o mesmo ouro. Ou seja, tendo no cofre uma certa quantidade de ouro, o banco emitia notas representando uma quantia maior. Na prática, os bancos passaram a criar dinheiro.

Esse tipo de dinheiro, criado pelos bancos ao fazer empréstimos, chama-se moeda escritural.

A criação de moeda escritural ocorre até hoje. O dinheiro que você deposita num banco é emprestado para outras pessoas. Esse sistema se mantém porque as pessoas confiam nos bancos. Se houver rumores de que um banco está em dificuldades, e muitas pessoas quiserem sacar o dinheiro depositado, o banco quebra (qualquer banco quebra se isso ocorrer).

Transações eletrônicas

Muito recentemente, a movimentação de dinheiro, mesmo sendo ainda possível em papel-moeda, passou a ser feita por meio de computadores interligados em rede, sempre dependendo de um intermediário-um banco ou uma empresa como o Paypal-que registra as transações em um livro eletrônico.

Bitcoin: a criptomoeda

Em 2008, Satoshi Nakamoto publicou um artigo propondo um sistema novo de moeda, o “Bitcoin”, operado numa rede exclusiva na qual os usuários podem enviar moeda um para o outro. A rede Bitcoin é do tipo “peer-to-peer”, isto é, todos os nós da rede (máquinas ligadas a ela) têm mesmo nível hierárquico, podendo armazenam dados e também operar com eles.

Trecho do artigo “Bitcoin: A Peer-to-peer Electroinc Cash System” pubicado por Satoshi Nakamoto em 31 de outubro de 2008. Satoshi Nakamoto é um pseudônimo. Até hoje não se sabe quem criou o Bitcoin.

— Os sistemas bancários atuais também são redes nas quais os usuários podem fazer transferências de moeda. Qual é a diferença?

A diferença é que a transferência tradicional pela internet requer um intermediário, que registra a transação num livro de sua propriedade. Além disso, nas redes dos bancos há dois tipos de nós: servidores — que armazenam dados e programas de controle — e clientes, que só operam o sistema. No caso do Bitcoin, não há intermediários controlando livros de registro e todos os nós da rede têm mesmo nível hierárquico. As transações são registradas em um arquivo chamado blockchain, que fica armazenado em múltiplas cópias, nos mesmos computadores onde as pessoas operam o sistema.

O Bitcoin é apenas uma série de registros no blockchain. No entanto, criou-se uma imagem para representá-lo, como se fosse uma moeda de ouro. Nessa imagem icônica, em vez de alusões à pátria ou a Deus, está escrito: BITCOIN * CRIPTOMOEDA * PEER-TO-PEER * DESCENTRALIZADA * DIGITAL

A cada nova transação, o blockchain é verificado para saber se a transferência pode acontecer. Em caso afirmativo, ela é registrada nesse arquivo, ficando efetivada.

— Mas, se o blockchain fica armazenado nas próprias máquinas de usuários, fica fácil alguém hackear o sistema para alterar os registros.

Para evitar isso, o sistema usa uma criptografia extremamente segura. Por isso, o Bitcoin é chamado de criptomoeda.

— E quem registra as transações no blockchain?

A transação feita por um usuário tem que ser validada por outro usuário da mesma rede. Quando alguém inicia uma transferência, isso é notificado a todos os nós da rede. Qualquer usuário que tenha o software apropriado pode validar a transação. Quem validar primeiro, atualiza o blockchain. A atualização é distribuída então para todas as cópias do blockchain.

No Bitcoin, a forma de validar uma transação é resolver um complexo problema matemático por tentativa e erro, experimentando aleatoriamente milhões de números, até encontrar a resposta, o que exige muito processamento de dados. Por isso, os usuários que conseguem validar transações primeiro e atualizar o blockchain são aqueles com maior poder de computação.

— E por que alguém se interessaria em gastar processamento de seu computador para validar transações dos outros?

Para ganhar dinheiro.

Quem consegue registrar uma transação no blockchain recebe uma taxa pelo serviço, além de produzir Bitcoins novos, que são acrescentados ao seu saldo. Cada vez que alguém inclui um registro no blockchain, novos Bitcoins entram em circulação, como se alguém descobrisse ouro no tempo das moedas de ouro.

O trabalho de procurar um número para atualizar o blockchain pode ser comparado ao de um garimpeiro que procura ouro. Por isso, os usuários da rede que validam as transações são chamados mineradores de Bitcoins.

Em vez de usar uma picareta para buscar o mineral precioso, os mineradores de Bitcoins usam sistemas gigantescos de computadores (figura da direita) para buscar aleatoriamente o número que vai validar cada transação. Quando conseguem encontrar, registram a transação no blockchain e ganham uma pepita de ouro digital: uma certa quantia em bitcoins.

— Mas então essa moeda depende de outras pessoas para funcionar? Como posso ter certeza de que alguém vai validar minha transação?

Na verdade, todas as moedas dependem de outras pessoas para funcionar. Você só pode usar o real porque o Banco Central emite e garante essa moeda, e só pode transferi-lo pela internet porque um banco registra a transação em seu livro. A diferença é que o Bitcoin não é controlado por qualquer governo e não passa por intermediários. O minerador apenas valida a transação seguindo um procedimento matemático, sem ter qualquer acesso aos valores.

— E se ninguém quiser fazer mineração?

Isso seria parecido com ninguém mais querer explorar ouro. Se poucas pessoas quiserem minerar Bitcoins, vai ficar mais fácil ser o primeiro a encontrar a solução e ganhar dinheiro. Naturalmente, outros irão tentar também.

— Cada vez que alguém atualiza o blockchain, entra moeda nova em circulação? Então sempre haverá Bitcoins novos? O ouro não funciona assim. A disponibilidade de ouro é limitada, e é isso que garante seu valor.

O projeto do Bitcoin levou isso em conta. Há um número finito de Bitcoins que podem ser criados. Só poderão ser criados 21 milhões de Bitcoins. A previsão é que esse limite seja alcançado por volta de 2140. A partir daí, os mineradores serão remunerados somente pela taxa de serviço.

Evolução teórica do número de bitcoins em circulação ao longo do tempo. Os números reais não são tão regulares, mas esse gráfico mostra o tipo de variação esperada. Hoje (2021) já foram minerados aproximadamente 19 milhões de Bitcoins. À medida em que o tempo passa, cada vez menos Bitcoins serão minerados por ano. Nas últimas décadas do gráfico, o acréscimo é tão pequeno que nem aparece nessa escala. Estima-se que o último Bitcoin será minerado por volta de 2140.

E se a escassez de moeda provocar sua valorização, isso não será um problema. Bastará se usarem frações nas transações. Por exemplo, um carro poderá custar 0,0001 Bitcoin.

Há bastante semelhança entre o Bitcoin e as antigas moedas de ouro, como mostramos na comparação abaixo:

— E como se fixa o valor de um Bitcoin?

Exatamente como se fixa o valor do ouro: pela regulação do mercado. Hoje (junho de 2021) uma grama de ouro está cotada em aproximadamente R$300,00, que é o valor estabelecido pelo mercado. Também o valor de um Bitcoin, em dólares ou em reais, depende apenas da relação entre oferta e procura no mercado.

No entanto, o ouro tem valor bastante estável, enquanto o Bitcoin tem cotação extremamente variável, por ser um ativo ainda muito recente e com futuro incerto. Por exemplo, de março de 2020 a março de 2021, o Bitcoin se valorizou aproximadamente 800% em relação ao dólar. O valor de um Bitcoin era aproximadamente 6 mil dólares e passou para 58 mil dólares nesse período. Mas, da mesma forma que ele se valorizou vertiginosamente, pode também se desvalorizar, o que o torna um investimento de alto risco.

— E existem outras criptomoedas além do Bitcoin?

Hoje há mais de mil criptomoedas disponíveis. O Bitcoin é a que tem maior volume de transações.

Há inúmeras criptomoedas hoje. Esta é a imagem de um site que fornece as cotações das 100 criptomoedas mais negociadas. A primeira coluna mostra o total de valor em circulação de cada uma, expresso em dólares. (Fonte: Goldprice)

Um último comentário: segundo um pesquisador da Universidade de Cambridge, a energia consumida pela mineração de Bitcoins hoje no mundo é maior do que o consumo total de um país do tamanho da Argentina. Isso levanta um grave problema ambiental e de desperdício de energia relacionado à criptomoeda. Vamos ver como isso evolui.

Bem, como eu disse no início, não sou um especialista em moedas. Este artigo é apenas um resumo de algumas leituras que fiz. Se você se interessou e quer se aprofundar, veja a bibliografia que apresento em seguida. Em especial, este site tem respostas para quase todas nossas perguntas: https://bitcoin.org/pt_BR/faq#geral

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