A inacreditável semelhança entre um veículo 4×4 e um casaco de pele
4 maio 2023Um dos símbolos de status mais divulgados em nosso país é a posse de um veículo 4×4, também chamado de SUV (Sport Utility Vehicle). As propagandas da indústria automobilística mostram personagens fascinantes dirigindo esses veículos em estradas perigosas, atravessando trechos com água e espirrando água na câmera e, invariavelmente, subindo uma montanha até chegar lá, no topo!
A mensagem subliminar é: que tem um 4×4 fica no alto da estrutura social. É um vencedor. E tem a vantagem de ser um vencedor explícito, porque seu símbolo de status, ao contrário de um colar de diamantes ou de uma carteira de investimentos volumosa, é um objeto enorme que anda pela rua, à vista de todos.
Mas, na vida real, entre os vários proprietários desses veículos no Brasil, quem já precisou realmente acionar a tração nas quatro rodas? Quem atravessou um rio? Quem já subiu no topo de uma montanha?
Não tenho dados de pesquisa para comprovar isso, mas suponho que tenham sido poucos. É claro que há pessoas que compram esses veículos porque realmente pretendem trafegar em estradas difíceis, mas a maioria dos compradores usam seus veículos como carros normais. Compram por acharem esses veículos mais bonitos, mais confortáveis. Atributos que não têm qualquer relação com a tração 4×4.
Mas, então, de onde vem esse prestígio para esse produto? Por quê, entre tantos produtos no mercado, o carro 4×4 é considerado um símbolo de status?
Para responder essa pergunta, temos que lembrar que a quase totalidade da indústria automobilística mundial é sediada em países da zona temperada do hemisfério norte (isto é, entre o trópico de câncer e o círculo polar ártico): Estado Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Suécia, China, Japão e Coréia do Sul. Em todos esses países, o inverno tem temperaturas muito baixas, que levam ao congelamento das rodovias. Para dirigir numa rodovia congelada, a tração nas 4 rodas é um recurso importantíssimo, pois o carro perde tração no gelo.
Mas os produtos da indústria automobilística são globais. Um veículo lançado nos Estados Unidos tem que ser vendido no mundo inteiro. Como convencer um consumidor brasileiro a comprar um produto feito para neve, que é mais caro que os produtos básicos?
Bem. Não é a primeira vez que isso acontece. Até meados do século XX um brasileiro que quisesse estar bem vestido tinha que usar um terno de casimira (terno quer dizer conjunto de três peças: paletó, calça e colete), que é uma roupa adequada para o frio da Europa. E as mulheres realmente sofisticadas no Rio de Janeiro usavam até estolas de pele! A ideia era: se você se parece com um europeu, você é elegante, sofisticado e bem-sucedido.
Empurrar para o consumidor veículos 4×4 em um país onde isso não é necessário é uma operação parecida com vender ternos de casimira e casacos de pele no Rio de Janeiro: o que é útil e necessário nos países mais ricos é vendido como algo sofisticado, que confere ao comprador um status social superior.
E funciona!
Marcos Chiquetto is an engineer, Physics teacher, translator, and writer. He is the director of LatinLanguages, a Brazilian translation agency specialized in providing multilingual companies with translation into Portuguese and Spanish.