Você vai morrer de lafar
4 maio 2023Você sabe que o verbo “walk” do idioma inglês corresponde a “caminhar” em português. Agora, imagine que alguém no Brasil falasse “uolcar” no lugar de “caminhar”:
— Hoje eu vim uolcando para o trabalho.
— Todo fim de semana vou no parque e uolco 20 minutos.
E se alguém passasse a usar o verbo do inglês “laugh” em vez de “rir”?
— Hoje morri de lafar com aquela piada.
Você ia achar isso muito bizarro, né?
E como lhe parece esta frase?
— O atacante driblou e chutou.
Achou bizarro? Provavelmente não.
No entanto, aí há verbos do inglês utilizados exatamente como “uolcar” ou “lafar”: “driblar” é o verbo “dribble” e “chutar” é o verbo “shoot”, ambos usados sem qualquer adaptação, a não ser o uso da grafia do português.
E então? “Uolcar” seria bizarro, mas “driblar” não é?
É isso mesmo. Não é estranho falar “driblar”. Afinal, esse verbo já é usado há muito tempo em português e estamos acostumados a ele. Não é o caso de “uolcar”, que seria uma criação nova e certamente causaria estranheza.
— E quando se usou “driblar” pela primeira vez? Não foi tão esquisito quanto “uolcar” seria hoje?
Para fazer esse julgamento, é preciso se transportar para o final do século XIX, quando o futebol veio para o Brasil.
Antes da chegada do futebol, ninguém no Brasil saia por aí conduzindo uma esfera de couro com os pés e desviando de outras pessoas que tentariam interromper esse percurso, portanto, não havia um verbo em português para descrever essa ação. Assim, os primeiros praticantes desse esporte usaram naturalmente o verbo “dribble”, adaptado como “driblar”, para se referir a isso.
Várias outras palavras nesse esporte foram transplantadas diretamente do inglês, como “futebol” (football), “chutar” (shoot), “gol” (goal), “beque” (back), “falta” (fault) etc. Para algumas, criaram-se alternativas em português, como “meta” para “gol” e “penalidade máxima” para “penalty”, enquanto outras se mantiveram somente na forma original, como “driblar” e “chutar”.
“Uolcar” e “lafar” seriam resultado do mesmo tipo de adaptação de palavras. É claro que estas seriam adaptações menos aceitáveis, porque já existem no português os verbos “caminhar” e “rir” que descrevem perfeitamente essas ações.
Geralmente, palavras são importadas quando representam ideias novas, também importadas. Assim, da mesma forma que o futebol era uma atividade nova no início do século XX, os computadores e a internet também foram novidades nos últimos 40 anos, trazendo para o Brasil palavras que descreviam conceitos novos, criados em outros países. Assim, acabamos nos acostumando a usar termos como “mouse”, “HD” e “notebook”.
É claro que existe também o modismo, que ultimamente tem levado pessoas a usarem palavras em inglês sem qualquer necessidade disso; mas isso é assunto para outro artigo.
Marcos Chiquetto is an engineer, Physics teacher, translator, and writer. He is the director of LatinLanguages, a Brazilian translation agency specialized in providing multilingual companies with translation into Portuguese and Spanish.